A saga dos injustiçados no Oscar e o adeus a um gênio
Vou dar folga de alguns dias para os leitores da coluna. Enquanto não volto de viagem, deixo aqui o artigo do meu amigo cinéfilo Robertson Frizero, que me incentivou a escrever sobre os equívocos do Oscar. O escritor, dramaturgo, poeta e professor também apontou o que considera injustiças na premiação. Algumas coincidem com as minhas, mas ele inseriu outras inconformidades. Vejam se as de vocês estão na lista e divirtam-se!
Injustiçados no Oscar
Opiniões são como sobrenomes: cada um tem os seus – às vezes são coincidentes; outras, completamente distintos. Mas não vale a pena brigar sobre isso. Assim, apresento aqui algumas ideias sobre o que considero serem algumas das maiores injustiças da maior premiação do cinema internacional – e até mesmo a colunista pode discordar de algo que eu tenha alinhavado aqui.
Veja se você, cinéfilo, concorda:
1942: “Cidadão Kane”, de Orson Wells, perde melhor filme, diretor e fotografia para o esquecível “Como era verde o meu vale”. O filme de Wells é um daqueles que moldaram a arte cinematográfica – muito do que hoje vemos como clichê, de estrutura narrativa a tomadas de câmera, nasceu com “Cidadão Kane”. Mas a academia preferiu o pequeno drama galês, talvez por implicância com Wells, talvez por nostalgia da antiga ilha…
1953: “O Maior Espetáculo da Terra” vence o Oscar no ano do eterno “Cantando na Chuva” – que nem foi indicado para a categoria! A grandiosidade do filme de Cecil B. DeMille talvez tenha enchido os olhos dos votantes naquele ano, mas “Cantando na Chuva” segue sendo uma das melhores comédias jamais feitas, um dos melhores musicais já filmados (e, pasmem, as canções nem eram originais, o filme é uma rapsódia de canções de outros musicais!) e tornou-se um clássico eterno, que não envelhece – sem falar que é um incrível registro do que foi a transição da Hollywood dos filmes mudos para o cinema falado. Já aquele filme sobre o circo… Quem lembra?

1959: O intrincado “Um corpo de cai” perde para “Gigi” como melhor filme. Bem, Hitchcock é um dos realizadores e diretores mais injustiçados da história do Oscar – e não só como diretor: seus filmes levaram pouquíssimas estatuetas no geral. Imagine que Bernard Hermann não foi premiado por trilhas sonoras como “Psicose” ou “Um corpo que cai”, apenas uma das atrizes de Hitchcock ganhou o prêmio e o diretor inglês só recebeu sua estatueta como produtor, por “Rebecca”! E “Gigi”, por mais simpática que seja Leslie Caron no papel-título, caiu no esquecimento.
1977: O clássico “Taxi Driver”, de Martin Scorcese, o inesquecível “Rede de Intrigas”, de Sidney Lumet, e o grandioso “Todos os homens do presidente” de Alan J. Pakula perdem o Oscar de Melhor Filme para “Rocky, o lutador”. Por mais simpatia que se tenha pela história por trás da realização de “Rocky” – por si só, uma história de superação tipicamente norte-americana –, como comparar esse filme com dois clássicos do cinema dos anos 1970?
1980: “Kramer versus Kramer” vence “Apocalipse Now”, incluindo o Oscar para Robert Benton na direção, no lugar de Francis Ford Coppola. Coppola merecia um Oscar honorário por todas as agruras que enfrentou para fazer esse clássico sobre a selvageria da guerra. Mas, além disso, o filme é genial e único. Já “Kramer versus Kramer”, incômodo em uma época na qual divórcios eram vistos como algo fora do comum, envelheceu sem guardar nenhuma grande influência para a história do cinema.

1981: O denso “Touro Indomável”, de Martin Scorcese, perde para o esquecível drama “Gente como a gente”, primeira direção de Robert Redford – que também ganhou de Scorcese na categoria de melhor diretor. Robert De Niro levou o Oscar de Melhor Filme naquele ano, mas o filme que lhe permitiu explorar toda a sua densidade de intérprete merecia melhor sorte que perder para um drama familiar que pouco marcou as gerações futuras.
1990: O mediano “Dirigindo Miss Daisy” ganha melhor filme no ano de “Sociedade dos Poetas Mortos”, “O Campo dos Sonhos” e “Nascido a Quatro de Julho” – e do sequer indicado “Faça a coisa certa”. Sim, os protagonistas do vencedor, incluindo a oscarizada Jessica Tandy, e o pano de fundo da história – a questão racial norte-americana – são os responsáveis por esse Oscar de Melhor Filme. Mas é fácil imaginar razões para que o prêmio fosse dado a qualquer outro dos indicados, a começar pelo filme que rendeu o Oscar de direção a Oliver Stone, “Nascido a quatro de julho”.
1991: “Os Bons Companheiros”, de Martin Scorcese, perde para “Dança com lobos”. Joe Pesci levou seu merecido Oscar como ator coadjuvante por “Os Bons Companheiros”. Mas, mesmo tendo feito renascer o gênero “Western”, “Dança com lobos” não tem a qualidade do cinema de Scorcese, um mestre em retratar o submundo da máfia italiana nos Estados Unidos.
1995: Robert Zemeckis (“Forest Gump”) vence Quentin Tarantino (“Pulp Fiction”) no Oscar de Melhor Direção. “Pulp Fiction” mudou a história do cinema. E Tarantino mostrou-se, filme após filme, um daqueles realizadores cujo sobrenome é facilmente associado a uma estética própria, singular – como um Almodóvar, um Scorcese, um Hitchcock.

1998: Helen Hunt (“Melhor é impossível”) ganha de Judi Dench (“Mrs Brown”) e Kate Winslet (“Titanic”). Judi Dench ganharia, no ano seguinte, um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por uma aparição de menos de dois minutos no esquecível “Shakespeare apaixonado”. Winslet ganharia por “O Leitor”, dez anos depois, em uma atuação impecável. Mas é difícil justificar porque, em 1998, as duas foram superadas por uma atuação mediana de Helen Hunt em um papel sem qualquer grande desafio interpretativo.
1999: A fraca Gwyneth Paltrow (“Shakespeare Apaixonado”) vence Fernanda Montenegro (“Central do Brasil”) e Roberto Benigni (“A Vida é Bela”) vence Edward Norton (“História Americana”) e Tom Hanks (“O Regresso do Soldado Ryan”). A derrota de Fernanda Montenegro foi tão inexplicável que até Glenn Close – uma esnobada há anos pela Academia – declarou em uma entrevista que tinha como certa a vitória da brasileira. E analisando as atuações à distância da simpatia que o filme italiano angariou naquele ano (desbancando “Central do Brasil” na categoria de Melhor Filme Estrangeiro), a atuação de Benigni, por melhor que seja, não se compara ao que Norton e Hanks apresentaram naquele ano.

2005: O poético “O Segredo de Brokeback Mountain” perde para o preconceito e para o esquemático “Crash”. Ang Lee (que ganhou como melhor diretor) e seus roteiristas transformaram um conto mediano em um filme antológico – e ousado para a época – sobre o amor homossexual e seus desafios em uma sociedade marcada pelo machismo e pela hipocrisia. E “Crash”… Ah, quem lembra de “Crash”?
Espero que minhas ideias tenham feito, ao menos, o leitor interessar-se em rever alguns desses injustiçados. E esta é só a primeira parte!
[Robertson Frizero]
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Eien ni sayōnara, Ryuichi Sakamoto

Eu não poderia deixar de fazer uma homenagem ao meu irado Ryuichi Sakamoto. Compositor de algumas das mais belas trilhas sonoras do cinema, Ryuichi trabalhou como ator ao lado de David Bowie no sensível “Furyo- Em nome da honra“ (Merry Christmas, Mr. Lawrence), dirigido por Nagisa Oshima. É de Ryuichi a trilha inesquecível que embala a história entre um rígido oficial japonês e soldados britânicos durante a Segunda Guerra Mundial. Mas, foi com a trilha de “O último imperador”, de Bernardo Bertolucci, que Ryuichi ganhou Oscar e Grammy, em 1988.Ele ficou conhecido também por seu trabalho com a banda Yellow Magic Orchestra (YMO), pioneira no cenário de música eletrônica, da qual foi co-fundador. Suas inovações serviram como base para vários gêneros da música eletrônica contemporânea, entre eles o synth-pop, house e hip-hop. Sakamoto nasceu em Tóquio, em 1952, mas era um cidadão do mundo. Ele partiu aos 71 anos, depois de lutar vários anos contra um câncer. A música esteve com ele até o fim. Deixo aqui “Rain”, que ele compôs para a versão de 1992 de “O morro dos ventos uivantes”. Costumo usar a palavra “gênio” com comedimento, mas Ryuichi Sakamoto a merece.
Dōmo arigatōgozaimasu, Ryuichi!
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