A discussão sobre a política fiscal brasileira, frequentemente pautada por críticas ao déficit público, precisa de maior equilíbrio e contextualização. Os gastos que levaram ao atual cenário fiscal não podem ser analisados de forma isolada, pois foram fundamentais para a recuperação econômica do Brasil após os impactos devastadores da pandemia de COVID-19. Essa estratégia não foi uma exclusividade brasileira, mas uma resposta comum adotada por diversas economias globais. Além disso, a situação fiscal do Brasil está longe de ser a mais preocupante no cenário internacional.
Os gastos públicos como motor da recuperação econômica
Programas como o Auxílio Emergencial, investimentos em saúde e educação, e outros estímulos fiscais foram essenciais para proteger a população mais vulnerável e impulsionar a economia em um momento crítico. Essas medidas estimularam o consumo, movimentaram setores importantes, como comércio e serviços, e ajudaram a sustentar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2024, o PIB brasileiro continua crescendo, alavancado pelos gastos do governo e pelo consumo das famílias.
O impacto positivo desses investimentos é evidente. Declarações de entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC) destacam a retomada econômica e a geração de empregos em setores estratégicos, resultados que não seriam possíveis sem o esforço fiscal realizado.
Renúncias fiscais e sonegação: os verdadeiros desafios
Ao criticar os gastos obrigatórios, é necessário considerar outros fatores que impactam negativamente as contas públicas. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), as renúncias fiscais no Brasil ultraam R$ 646 bilhões anuais, o que corresponde a 5,96% do PIB. Esses incentivos, muitas vezes direcionados a grupos específicos, nem sempre geram retornos econômicos proporcionais e precisam ser revisados para garantir maior eficiência e justiça fiscal.
Outro problema estrutural frequentemente negligenciado é a sonegação fiscal, estimada em mais de R$ 612 bilhões por ano, conforme dados do Sonegômetro. Esse valor é equivalente a boa parte do déficit fiscal e representa um enorme desafio para a sustentabilidade das finanças públicas. Combater a sonegação de forma eficaz e revisar privilégios fiscais são medidas que podem melhorar significativamente as contas públicas sem comprometer investimentos em áreas essenciais como saúde, educação e infraestrutura.
A importância de um arcabouço fiscal flexível
O atual arcabouço fiscal, que permite certa flexibilidade na gestão econômica, é um avanço em relação a regras mais rígidas que poderiam engessar a economia em momentos de crise. Essa flexibilidade permite ao governo responder de forma ágil a choques externos e internos, como a pandemia, sem comprometer a sustentabilidade econômica a longo prazo.
No entanto, o equilíbrio é fundamental. Não se trata de ignorar os riscos associados ao déficit fiscal, mas de analisar os motivos que levaram a esse cenário e os resultados obtidos com os investimentos realizados. A solução não está em cortar gastos indiscriminadamente, mas em revisar privilégios fiscais, combater a sonegação e direcionar recursos para áreas que promovam o desenvolvimento sustentável.
Como economistas, temos a responsabilidade de sinalizar riscos fiscais, mas também de oferecer análises aprofundadas que contextualizem as decisões de política econômica. Os resultados recentes mostram que os esforços do governo não foram em vão, contribuindo para a retomada econômica e a proteção social.
A construção de um sistema fiscal mais justo e eficiente a pela revisão das renúncias fiscais, pelo combate à sonegação e pela defesa de um arcabouço flexível que permita investimentos estratégicos. Somente assim será possível garantir a sustentabilidade das contas públicas sem comprometer o desenvolvimento econômico e social do Brasil.